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Pílulas de Conhecimento

 

Este mês, o nosso quadro é com a Dra. Ana Luísa Sampaio, do Departamento de Medicina Interna da SBDRJ, que traz um tema bastante atual, em virtude da pandemia de Covid-19: ‘Antimaláricos’.

Vamos à leitura:

Em virtude de esta ser a droga da moda na mídia, resolvemos fazer um resumo da sua farmacologia. Existem 3 medicamentos antimaláricos (AM): cloroquina (CQ), hidroxicloroquina (HCQ) e a quinacrina. Esta última foi retirada do mercado.

A CQ e a HCQ são medicamentos da classe das 4-aminoquinolinas, derivados da quinina, substância presente na natureza (derivado alcalóide da casca da árvore chinchona).

A descoberta da sua função nas doenças reumatológicas ocorreu quando soldados da 2ª Guerra Mundial, na África, faziam uso para tratamento de malária e notaram melhora dos sintomas articulares.

Nome genérico Nome comercial Dose comprimido Dose média
Hidroxicloroquina PlaquinolR

ReuquinolR

400mg 5 – 6,5mg/kg/dia
Difosfato de Cloroquina DiclokinR 150mg

QuinacrisR 150 e 250mg

150mg e 250mg 2,3 – 3mg/kg/dia

 

nome Nível de pico (h) biodisponibilidade Ligação proteica (%) Meia-vida (dias) metabolismo Excreção
HCQ 4 74 45 40-50 Desetilcloroquina e desetilhidroxicloroquina 20% excretado inalterado na urina, e biliar
CQ 5 50 50-65 40-50   42-47% excretado inalterado na urina

Absorção e biodisponibilidade: os antimaláricos são pós-solúveis em água rapidamente absorvidos no trato gastrointestinal (75 a 100% são absorvidos). Têm ávida ligação aos tecidos proteicos, tendo suas maiores concentrações (em ordem crescente) no núcleo e mitocôndria das células dos tecidos musculares, oculares, cardíacos, renal hepático pulmonar, baço e suprarrenais. Suas concentrações mais baixas são observadas nos tecidos ósseo, cutâneo, adiposo e cerebral. As quantidades absolutas de concentração são 2,5 vezes maiores para CQ do que para HCQ.

A excreção é feita numa fase rápida, com meia-vida de 3 dias, e uma fase lenta, com meia-vida de 40-50 dias. Isto se deve a sua grande concentração tecidual e lenta liberação na circulação. O lento início de benefício terapêutico se deve ao demorado tempo para obtenção de concentrações médias teciduais (3-4 meses). Ela pode ser detectada no sangue cinco meses após uma única dose. Seu efeito terapêutico se deve ao acúmulo nas células do sistema imune. E sua baixa concentração na urina em sua forma inalterada (cerca de 20%) indica que não é necessário ajuste de dose nos pacientes com insuficiência renal leve a moderada.

Mecanismos de ação:

Fox, em 1993, estabelece que os antimaláricos são bases fracas que penetram na célula e modulam o sistema imune através da alteração (aumento) do pH das vesículas intracitoplasmáticas, o que provoca a inibição do processamento dos peptídeos para ligação ao sistema MHC, levando ao menor estímulo às células T e por consequência menor resposta inflamatória. Recentemente, também foi relatado seu papel em reduzir os níveis de citocinas proinflamatórias, como IL-1b, IL-6, IL-18 e TNF-a e no bloqueio da ativação dos receptores tipo toll na imunidade inata e adaptativa.

Além disso, há evidências de que tem efeitos antitrombóticos por inibir a adesão e agregação plaquetária, e efeitos antifosfolipídeos, ao impedir a formação de complexos de anti-b2glicoproteina e prevenir a ligação dos anticorpos antifosfolipideos à anexina-5; tem comprovados efeitos cardiovasculares: aumenta os níveis de HDL quando usado isoladamente ou em associação com corticoides; reduz níveis de LDL; aumenta a elasticidade das grandes artérias, reduzindo risco de resistência vascular; e reduz o risco de diabetes mellitus.

In vitro, tem atividade contra bactérias, fungos e alguns vírus.

Pode ser usada durante a gravidez e amamentação.

São indicações e contraindicações dos antimaláricos:

Indicações aprovadas pelo FDA:

– Lupus eritematoso (casos selecionados)

– Malária

– Artrite reumatoide

Usos dermatológicos off-label:

– Dermatoses fotossensíveis: erupção polimorfa à luz, urticária solar, dermatomiosite (lesões cutâneas, com algumas considerações),

– Dermatoses granulomatosas: sarcoidose, granuloma anular (generalizado),

– Infiltrados linfocíticos benignos: linfocitoma cútis, infiltrado linfocítico de Jessner

– Paniculite: idiopática, eritema nodoso

Outras dermatoses: líquen plano oral, estomatite ulcerativa crônica, mucinose eritematosa reticulada, pênfigo foliáceo, dermatite atópica, urticaria vasculite, morfeia, mucinose folicular, porfiria cutânea tardia.

Contraindicações:

  • Absolutas: hipersensibilidade ao medicamento (existe potencial teórico para reações cruzadas entre CQ e HCQ) e maculopatia;
  • Relativas: discrasias sanguíneas graves, disfunção hepática avançada, transtornos neurológicos graves, alterações visuais retinianas.

Efeitos adversos:

– Gastrointestinais: anorexia, epigastralgia, náuseas, diarreia, distensão abdominal, geralmente melhoram com a redução ou descontinuação da dose.

– Cutâneos: um dos maiores motivos de interrupção do tratamento por parte do paciente e ocorre mais comumente com a CQ. Foram relatados: urticária, eritema anular, psoríase, AGEP e síndrome de Stevens-Johnson, e são reversíveis. Os efeitos irreversíveis mesmo com a suspensão do tratamento são hiper e hipopigmentação da pele e o clareamento dos cabelos.

– Oculares: efeitos nos corpos ciliares e depósitos da cornes (queratopatia), com alteração da acomodação, que dá sintomas de visão turva, perda de acomodação e fotofobia e são reversíveis. A queratopatia é precoce e não prediz maculopatia. A CQ se liga mais avidamente aos tecidos oculares do que a HCQ. A pré-maculopatia é ASSINTOMÁTICA e ainda reversível. O efeito mais temido e irreversível é a sua progressão para a forma sintomática do dano macular, com a alteração em “olho de boi” e cegueira.

Hematológica: raramente pancitopenia ou agranulocitose; hemólise em pacientes com deficiência de G-6PD.

– Neurológicos, musculares e cardíacos: são frequentes as queixas de cefaleia, insônia e pesadelos. Também tinido e um relato de perda auditiva sensorial irreversível. A miopatia (nas pernas, com LDH aumentado e níveis normais de CPK) é um evento raro e mais relatado com a CQ. A cardiomiopatia e alterações graves no eletrocardiograma também foram descritos.

DOSE:

As doses seguras para evitar a maculopatia foram estabelecidas pelo consenso da Sociedade Americana de Oftalmologia, em 2016, e passaram a ser de 2,3mg/kg/d para a CQ e de 5mg/kg/d para HCQ. Os reumatologistas, quando doença grave e extensa, usualmente iniciam dose maior para atingir resposta mais rápida, o que causa mais efeitos gastrointestinais (a resposta terapêutica é atingida pela CQ em 4 a 6 semanas e pela HCQ em 8 a 12 semanas). A dose não deve ultrapassar 3mg/kg/d para CQ e 6,5mg/kg/d para HCQ (com dose máxima diária de HCQ de 400 mg/dia). Se o paciente relata mais efeitos gastrointestinais, o medicamento deve ser dado à noite; se insônia e pesadelos, pela manhã.

É recomendado o screening com exame oftalmológico dentro do primeiro ano de uso da HCQ. Depois de 5 anos, a avaliação deve ser anual. O risco de maculopatia é baixo (<1% em 5 anos e <2% em 10 anos), porém em 20 anos de uso ele aumenta para 20%.

Atenção para o ajuste de dose para insuficiência renal crônica!

Existem relatos de inúmeras interações medicamentosas dos antimaláricos, e destaco alguns: HCQ com a toxina botulínica (reduz efeito da toxina), digoxina (aumenta nível sérico desta), albendazol (aumento risco de mielossupressão) e da CQ com dapsona (aumenta risco de metemoglobinemia). Diversos medicamentos associados tanto com a CQ quanto com a HCQ podem causar maior risco de arritmias por prolongamento do intervalo QT, como: azitromicina, quinolonas, fluconazol, amiodarona, propafenona, sotalol, tramadol, amitriptilina, citalopram, haloperidol, dentre muitos outros.

Sobre tabagismo e antimaláricos: 

É estabelecido que o tabagismo pode interferir na eficácia dos AM. As explicações são: por reduzir a absorção do medicamento; aumentar a metabolização em droga inativa (via ativação do citocromo P450); bloquear a transferência dos lisossomos, porém sem alterar a concentração sérica da HCQ. Entretanto, estudo mais recente associou a menor eficácia dos AM nos pacientes lúpicos tabagistas devido ao fato de a doença ser mais grave neste grupo de doentes.