Este mês, o nosso quadro é com a Dra. Priscila Marques de Macedo e com o Dr. Dayvison Francis, coordenadores do Departamento de Doenças Infecciosas e Parasitárias da SBDRJ, que nos trazem o tema ‘Criocirurgia adjuvante no tratamento da esporotricose cutânea’.
Vamos à leitura:
No final dos anos de 1990, a esporotricose assumiu um caráter zoonótico de transmissão no estado do Rio de Janeiro, notadamente na região metropolitana da capital. Atualmente, o cenário é de expansão para outras regiões do estado e do país, com recentes evidências de acometimento de países vizinhos como Paraguai e Argentina. Os gatos domésticos, errantes e principalmente os semi-domiciliados são acometidos pela micose e o desconhecimento aliado à negligência frente aos cuidados com estes animais promove uma perpetuação e amplificação desta, hoje classificada, hiperendemia.
Nos humanos, a doença, em geral, apresenta bom prognóstico, quando corretamente diagnosticada e tratada. Entretanto, alguns pacientes constituem desafio terapêutico para o dermatologista. Faz-se, então, necessário o uso de opções terapêuticas adjuvantes, em casos para os quais os fármacos disponíveis são ineficazes ou contraindicados.
Fichman e colaboradores (2019) relataram 199 casos comprovados por cultura positiva para Sporothrix sp., tratados com criocirurgia adjuvante, correspondendo a 5,4% dos casos de esporotricose assistidos no Instituto Nacional de Infectologia Evandro Chagas – Fiocruz, RJ, entre os anos de 2006 e 2016. Foram realizadas sessões mensais, até a cura clínica (reepitelização, ausência de crostas e de infiltração), utilizando nitrogênio líquido em jato, com criocautério, técnica de spray intermitente, em 2 ciclos de congelamento e descongelamento, com tempo dependendo do tamanho e espessura da lesão (cerca de 10 a 30 segundos).
O número de sessões variou de 1 a 20, com mediana de 3. O tempo total de tratamento (farmacológico e criocirúrgico) variou de 28 a 2.901 dias, com mediana de 325 dias (cerca de 11 meses). A cura foi alcançada em 91% dos casos, com 8% de perda de seguimento. Destaca-se a média de idade dos pacientes (55,7 anos), bem como a prevalência de comorbidades (60,3%), ambos fatores estatisticamente associados a um maior número de sessões, juntamente com um início tardio de instituição de criocirurgia como tratamento.
A análise de Kaplan-Meier demonstrou dois fatores de risco para se atingir a cura clínica: doença cardiovascular e início tardio de criocirurgia. Pacientes sem doenças cardiovasculares tenderam a curar 8,5 vezes mais rápido, enquanto o início tardio de criocirurgia representou uma taxa de risco (hazard ratio (HR)) para maior curso de tratamento (HR 0,48; IC 95%: 0,29-0,78).
Os autores concluem enfatizando o papel da criocirurgia como importante alternativa em um cenário com poucas alternativas terapêuticas para a esporotricose. Este procedimento deve ser indicado tão logo uma resposta lenta seja percebida pelo médico assistente, principalmente em pacientes com comorbidades cardiovasculares. Em lesões verrucosas ou vegetantes, o procedimento deve ser indicado precocemente, já que possivelmente melhorará a penetração dos antifúngicos sistêmicos na lesão cutânea devido à necrose epidérmica provocada e à exposição dos antígenos fúngicos ao sistema imune do hospedeiro.
Fichman V, do Valle ACF, Freitas DFS, Sampaio FMS, Lyra MR, de Macedo PM, Almeida-Paes R, de Oliveira RVC, Gutierrez-Galhardo MC. Cryosurgery for the treatment of cutaneous sporotrichosis: experience with 199 cases. Br J Dermatol. 2019;180(6):1541-1542. doi:10.1111/bjd.17532.
Este artigo foi fruto da dissertação de mestrado vencedora do último CSBD (2019).